Aprender a administrar o orçamento pessoal é um desafio que muitos adultos não conseguem encarar com sucesso, pois, além de responsabilidade e determinação, exige treino, por mais banal que uma contabilidade doméstica possa parecer. Que tal ensinar a seus filhos como lidar com o dinheiro desde os primeiros anos da infância? É claro que não se trata de dar aulas sobre os rudimentos da matemática financeira aos 2 anos de idade. Mas, bem cedo, os pais já devem começar a introduzir na vida dos filhos alguns conceitos relacionados ao valor e ao uso de cédulas e moedas, bem como à importância de poupar para o futuro. É um tema cujo interesse vem crescendo no ensino fundamental dos Estados Unidos e dos países da Europa – na Inglaterra, virou até matéria obrigatória em muitas escolas. No Brasil, a educação financeira apenas engatinha, e a experiência já colhe bons resultados.
A primeira iniciativa partiu da cientista política e consultora Cássia D'Aquino, de São Paulo. Em 1996, ela criou um programa de ensino destinado a crianças de 2 a 14 anos, que já foi adotado por diversas escolas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Rio Grande do Sul e Curitiba. O objetivo é mostrar à garotada como ganhar, usar e economizar dinheiro, assim como a ética envolvida nesses processos. Os alunos da Escola Pacaembu, de São Paulo, pioneira na implantação do projeto, familiarizam-se com noções de preço e poupança. "Propomos atividades práticas em sala de aula e em situações do dia-a-dia, como um passeio ao teatro ou compras no supermercado", explica a professora Maria Cristina Sauberlich de Pádua. No Instituto GayLussac, de Niterói, no Rio de Janeiro, há exercícios como simular uma situação em que o aluno exerce determinada profissão e deve apresentar uma planilha de gastos de seu salário todo mês. Outra experiência, de grande atualidade depois do apagão, é calcular com detalhes os custos de energia elétrica de uma família. Segundo o diretor pedagógico Roberto dos Santos Almeida, os pais costumam elogiar o programa ao perceber mudanças de hábitos em seus filhos. "Quando têm noção da dificuldade de ganhar, os meninos dão mais valor ao dinheiro", diz Almeida.
Mesmo sem a matéria no currículo, os pais podem desde já iniciar os pequenos no bê–bá financeiro com conceitos bem simples. "O primeiro passo é ensiná-los a distinguir aquilo de que precisamos daquilo que simplesmente queremos", explica a consultora Cássia D'Aquino. "Quem não souber isso dançou. É o caso das pessoas que compram um carro importado antes da casa própria." Uma boa maneira de fazer com que seu filho entenda essa diferença é enfatizar o significado dessas palavrinhas em situações cotidianas, como dizer que ele precisa tomar banho ou deixá-lo responsável por checar quais produtos estão faltando em casa e, por isso, precisam ser comprados. Também é fundamental fazer com que a criança associe poupança a cuidado e entenda que se trata de desistir de algo no presente para conseguir um benefício futuro. "Quem compreender isso de verdade não terá problemas com cheque especial nem com cartão de crédito mais adiante", diz Cássia. Repetir-lhe idéias simples, como poupar o brinquedo para quando quiser usá-lo novamente, ou poupar um pedaço do lanche para quando tiver fome, pode ajudar bastante. Dessa maneira, quando começar a ganhar mesada, fica mais fácil convencê-la da importância de guardar uma parte.
A mesada é uma das principais fontes de dúvidas e equívocos dos pais. "Como eles têm muito prazer em satisfazer os desejos dos filhos, acabam errando demais. Mesmo que se trate de uma família de alta renda, não é aconselhável encher o filho de dinheiro", adverte o psiquiatra Içami Tiba, de São Paulo, especialista em crianças e adolescentes. Uma pesquisa realizada no ano passado pelo Cartoon Network, canal de TV a cabo dirigido ao público infantil, com 1 000 crianças de 6 a 11 anos de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, mostrou que 40% delas recebem alguma quantia semanal ou mensal dos pais. Há regras úteis para encontrar o equilíbrio entre ser mão-aberta e pão-duro na hora de estipular o valor (veja quadro). Apesar das divergências quanto à idade certa para iniciá-la e a quantia ideal, os especialistas concordam que se trata da principal ferramenta de educação financeira e, como tal, nunca deve ser vinculada à realização de serviços domésticos, bom comportamento ou desempenho escolar.
"O objetivo é exclusivamente educativo, por isso os pais também não devem agir como caixa de banco, adiantando o dinheiro antes da hora combinada, o que esvazia completamente a função de ensinar a viver dentro de um teto salarial", adverte a educadora Tania Zagury, do Rio de Janeiro, autora de Limites sem Trauma. Ela ensina que uma boa maneira para evitar a "falência" dos filhos é não lhes impor objetivos muito amplos para a mesada no início do processo, aumentando as responsabilidades no uso do dinheiro à medida que a criança for se saindo bem.
Também faz parte da educação financeira a dissociação entre dinheiro e afeto, o que significa muita cautela na hora de dar presentes. A recomendação dos especialistas é reservá-los somente para datas comemorativas, como aniversário ou Natal, por mais bem-sucedida que a criança seja na escola ou na atividade esportiva. Prefira outras maneiras de mostrar-lhe reconhecimento, como um passeio em família ou mesmo um abraço e palavras de elogio. É importante que a garotada aprenda a esperar pela realização de um desejo, mesmo que se trate de algo barato. "Se uma criança é acostumada a conseguir tudo o que quer imediatamente, vai se transformar em um adulto sem limites, daqueles que esbanjam mesmo sem ter dinheiro para pagar um bom plano de previdência privada", avalia o planejador de finanças pessoais Louis Frankenberg, de São Paulo. Ele é contra qualquer tipo de sacrifício dos pais para satisfazer os caprichos materiais dos filhos. Isso inclui o tão esperado carro aos 18 anos. "Quem não faz nenhum tipo de esforço nunca aprende a como chegar lá", explica o especialista.
FONTE: VEJA
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